top of page

RESENHA | Game of Thrones - 8ª temporada (2019)

  • Foto do escritor: Habeas Data
    Habeas Data
  • 20 de mai. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 11 de jun. de 2019

Por JOÃO KRAUSS

Nesse domingo (19), encerrou-se uma das maiores séries - se não a maior - da história da televisão. Quebradora de recordes e detentora de números impressionantes, Game of Thrones realizou feitos nunca antes vistos na TV e, assim, que demorarão para ser superados. No entanto, a última temporada falhou miseravelmente em atingir a excelência. Na verdade, lutou duramente para sequer ser boa - e não conseguiu.

Analisando a trajetória completa de Game of Thrones, percebe-se que uma divisão em duas fases é extremamente válida. A primeira fase, que consiste nas quatro primeiras temporadas, é marcada por uma relação direta e saudável com o material fonte - os livros de George R. R. Martin. A segunda, formada pelas quatro últimas temporadas, por sua vez, representa o distanciamento crescente do material-base e, como consequência, o surgimento de inúmeros problemas que só viriam a se acentuar na reta final.


Em uma narrativa fantástica, - e principalmente em uma tão ampla e complexa quanto a de Game of Thrones -, o aspecto mais importante é a chamada verossimilhança interna - ou in-world. Ou seja, os elementos e características presentes na história, muito mais que guardarem alguma relação com o mundo real, devem ser coerentes com o que foi previamente apresentado e estabelecido dentro desse universo. Dessa forma, a narrativa corre de forma fluída e sem contradições ou maiores controvérsias. George R. R. Martin é um verdadeiro mestre na arte de construção de um universo sólido, o que só torna mais lamentável a adaptação de sua obra falhar tanto nesse aspecto.

A diminuição das últimas temporadas de Game of Thrones apenas acentuou defeitos que já vinham aparecendo nos anos anteriores - embora diluídos pela duração maior. Nessa última leva de episódios, essa problemática apenas se tornou mais evidente. O que tivemos foi, então, um roteiro extremamente apressado, que percorreu caminhos sombrios que foram desde soluções fáceis e convenientes - apelando repetitivamente para que o espectador use o máximo que puder sua suspensão de descrença - até a completa descaracterização de personagens e conceitos do universo. Um oceano de decisões questionáveis subvertem momentos que possuíam potencial para ser de extrema qualidade - tal como o desfecho do mal milenar e imparável que deveria ser o Rei da Noite e seu exército. Os diálogos lamentáveis, somados com a incapacidade de criar nexos causais coerentes e explicáveis, apenas comprovaram a decadência de uma série que já viu sua escrita majestosa como uma singularidade e motivo de grande orgulho.


Se a reviravolta envolvendo Daenerys era, sim, algo coerente - e até esperado - em relação ao restante da série, o modo como o roteiro decidiu realizá-la não poderia ter se tornado mais desagradável. As imperfeições da personagem, que foram apresentadas um bom número de vezes no decorrer, foram subitamente ampliadas de maneira que apenas obteve êxito em retirar qualquer credibilidade dos acontecimentos. Nesse mesmo sentido, o espectador decerto se viu, repetidamente, tentando reconhecer alguns personagens e falhando ao testemunhar suas atitudes. É o que se decorreu com Tyrion, cuja inteligência e perspicácia, na maior parte do tempo, demonstram terem decaído ao ponto de se tornar arriscado apostar no personagem em uma eventual partida de xadrez contra o Hodor. São intermináveis os possíveis exemplos que demonstram o declínio do texto, e mencioná-los exaustivamente só faria trazer dor ao coração do fã.

Na tentativa de disfarçar sua baixa qualidade, o roteiro apela cansativamente para referências a fatos e diálogos de temporadas anteriores. Esse fato, em vez de apresentar callbacks agradáveis e coerentes, em grande parte das vezes parecia apenas demonstrar ausência de criatividade e habilidade de escrita. Do mesmo modo, as tentativas de trazer de volta características que tornaram Game of Thrones tão única na sua reta inicial - como a parte política e as reviravoltas - apenas reforçavam que, em sua parte final, a série é apenas um reflexo defeituoso do que um dia já foi. A referência pela referência e a reviravolta pela reviravolta, sem arcabouço causal de coerência por trás, não é nada mais que demonstração de incompetência, embora decerto possa atingir os fãs mais desatentos e menos críticos.


Como certa forma de compensação, pelo menos é inegável que, no geral, a qualidade técnica da série não decaiu. A direção de arte continua tornando a ambientação do universo praticamente perfeita, e, somada a uma fotografia que, embora se destaque em alguns momentos mais do que em outros, continua a criar momentos visualmente deslumbrantes e memoráveis. A trilha sonora de Ramin Djawadi também permanece extremamente precisa e épica, consolidando também a parte sonora como uma jóia da série. Ao figurino também não se pode economizar elogios, e os efeitos especiais em sua grande maioria também se destacam positivamente, embora bem longe da unanimidade. Na verdade, em alguns momentos é extremamente questionável se os defeitos não foram percebidos ou simplesmente aceitos como inevitáveis. Extremamente curioso como renderizar um dragão às vezes parece mais fácil que adicionar um simples fundo digital a uma tela verde.


Sobre a direção, poucos defeitos também poderiam ser apontados nos 5 primeiros episódios. No geral, os trabalhos de David Nutter e Miguel Sapochnik foram extremamente louváveis, embora nunca completamente únicos ou imunes a defeitos pontuais. Nesse sentido, também curioso perceber que, apesar da qualidade padrão, nem sequer as batalhas da temporada foram capazes de se destacar extremamente em termos positivos, permanecendo abaixo do alto nível que a própria série estipulou para a mídia e qu que, incansavelmente, prometeu superar.


A direção do episódio final, no entanto, e curiosamente, foi facilmente a pior da temporada. Com exceção de um ou dois takes belos - que talvez sejam até mais mérito da equipe de fotografia -, os criadores da série demonstraram novamente sua falta de habilidade no comando do set. Eles não só falharam em criar peso emocional em qualquer momento necessário, mas conseguirem fazer com que um dos acontecimentos mais importantes de toda a série fosse realizado em uma das piores cenas já filmadas em oito temporadas.

Ao elenco também se deve fazer justiça. Em sua grande maioria, os atores sucedem em fazer o melhor com o material base e entregam atuações que mantêm o altíssimo nível.


Os veteranos Peter Dinklage, Lena Headey e Nikolaj Coster-Waldau - três dos melhores de toda a série - estão incríveis e destacam-se como usual. Emilia Clarke entrega a sua melhor performance em toda a série e surpreende positivamente, assim como Sophie Turner, que consegue elevar sua personagem de forma grandiosa, tornando-a facilmente uma favorita do público. Kit Harington prossegue com suas limitações e parece estar em uma eterna repetição de trejeitos e expressões características do seu personagem. O restante do grande elenco - cuja citação específica de nomes só tornaria o texto cansativo - também faz jus aos seus talentos e personagens, apesar do roteiro claramente não saber o que fazer com muitos deles.



Com finais justos mas arruinados pela pobre trajetória que os antecede, Game of Thrones se encerra com sua pior temporada, cumprindo pouquíssimas expectativas, deixando um mar de pontas soltas e demonstrando a incompetência de seus criadores. A série certamente deixará saudade no coração dos fãs. Junto dela, no entanto, haverá um inimaginável alívio pelo fim ter acontecido antes que ela pudesse se afundar ainda mais.

PELA PRIMEIRA VEZ NO HD, ESTÁ ROLANDO UMA RESENHA CULTURAL. SE VOCÊ GOSTA DESSE TIPO DE CONTEÚDO, SUGIRA FILMES, LIVROS E SÉRIES PARA GENTE! OU MANDE SEU TEXTO QUE A GENTE PUBLICA

 
 
 

Comments


bottom of page