RESENHA | Deuses Americanos - 2ª temporada (2019)
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- 28 de mai. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 11 de jun. de 2019

Após quase dois anos de espera, e depois de um turbulento processo por trás das câmeras - que resultou na saída do criador Bryan Fuller e de alguns atores -, a controversa segunda temporada da aclamada série Deuses Americanos foi exibida e chegou ao fim depois de 8 episódios. O segundo ano, no entanto, foi recebido bem mais friamente pela crítica e pelo público, que não pouparam críticas à adaptação da ovacionada obra de Neil Gaiman.
Levar para as telas uma obra tão única - de um autor tão único - como o romance Deuses Americanos nunca foi tido como uma tarefa fácil. Tratar o material de uma forma ordinária e padrão seria um grande erro. A primeira temporada, felizmente, conseguiu evitar isso e, ao contrário, entregou uma das séries mais peculiares – e conceituais - presentes atualmente na televisão. Nesse sentido, não se pode reclamar também do segundo ano, que mantém, no geral, essa característica diferencial e o faz em bom nível.
Essa singularidade se apresenta de diversas maneiras, tanto na forma quanto no conteúdo. O formato da tela altera-se dependendo da ambientação das cenas, e o widescreen traz, consigo, uma abordagem muito mais cinematográfica do conteúdo, fazendo jus ao que são esses momentos: histórias contadas dentro da própria história. Nesse mesmo sentido, temos uma direção e fotografia que são extremamente variantes, de modo a corresponder com os diferentes tons requeridos pelas diferentes sequências, que evocam do terror à fantasia épica, passando pelo drama, romance e até mesmo musical – e todos realizados de maneira tecnicamente excepcional.
Em relação ao storytelling, Deuses Americanos também nunca poderá ser acusada de ser ordinária ou insossa. Muito pelo contrário, desde o primeiro episódio da série, é notório a entrega ao conceitualismo, que, consequentemente, foge o máximo possível do mero expositivismo, principalmente no que tange aos diálogos. Recheada de mistérios, subtextos e meias-explicações, fato é que compreender o que se passa na série nunca é uma tarefa fácil, o que já a afasta de uma grande quantidade de espectadores, que, quando a acusam de ser demasiadamente complexa, não estão sendo completamente injustos.
A constante quebra da estrutura narrativa padrão, somada às mencionadas peculiaridades da forma, é, em grande parte das vezes, um diferencial extremamente positivo e instigante. No entanto, como a maioria das obras que se entregam a uma abordagem mais conceitual, não são poucos os momentos em que é perceptível que o nível de complexidade é exagerado e que objetiva apenas manter a obra em um elevado “nível intelectual”. O season finale é o melhor exemplo dessa problemática, e ela talvez seja o motivo do episódio ter sido recebido de forma tão negativa pelo público.
Ainda nesse sentido, é fundamental que se compreenda que a história de Deuses Americanos não é uma narrativa épica simples de guerra envolvendo deuses. Muito mais que isso, a obra de Neil Gaiman apresenta as entidades divinas como metáforas e provocações que estão contextualizadas em uma análise profunda e crítica da criação e desenvolvimento de um país, seus ídolos e seus objetos de adoração. Na verdade, a trama principal – a guerra entre os Velhos e Novos Deuses - é retrato claro desse subtexto.
Esse, por sua vez, é o fator mais enriquecedor do roteiro, que, é, contudo, muito melhor desenvolvido e aproveitado na primeira temporada, embora aqui também existam alguns bons momentos nesse sentido. Um deles, inclusive, trata da questão racial – tema recorrente, o que não poderia, em hipótese alguma, ser diferente em um texto que se propõe à análise das mazelas americanas – e consiste em um monólogo esplêndido conduzido por um soberbo Orlando Jones no episódio 4. A cena, uma das melhores da temporada inteira, é pesada e extremamente necessária, e, somada a outras sequências, eleva o personagem Mr. Nancy a um patamar de favoritismo em relação ao público - com grande merecimento.
Entretanto, apesar de todo o interessante conceitualismo e todos os subtextos, não houve ponto mais criticado na segunda temporada de Deuses Americanos que o roteiro. Não por ser furado, cheio de falhas ou inconsistências, vale ressaltar. O fato é que, analisando a temporada inteira, é notório que não há um grande avanço na narrativa, que continua, exatamente como no primeiro ano, preparando e antecipando o público - e os personagens – para uma guerra que está para vir, mas que, aparentemente, não chega nunca.
Muitas vezes, a série parece apenas buscar introduzir o espectador a ainda mais conceitos e lugares desse universo, ampliando-o em episódios que não avançam a história e que mais parecem fillers. Para o público que possui certo fascínio por esse mundo peculiar e ligação com os personagens, a experiência não será negativa, pois os fillers, ainda que fillers, não são ruins. No episódio 6, por exemplo, pouquíssimo se avança, mas é apresentada uma parte interessantíssima do passado de Mr. Wednesday, com a presença de Thor e de uma figura importantíssima na história recente dos Estados Unidos. Ainda assim, a impaciência gerada na maioria dos críticos é completamente justificável pois, no geral, a trama marcha em passos bem vagarosos.
Se a história do segundo ano não é mais tão atrativa quanto foi no primeiro, o mesmo não se pode dizer dos atores que a conduzem. O sempre excelente Ian McShane continua demonstrando – como se ainda precisássemos de alguma prova disso – que não poderia haver escolha mais perfeita para o papel de Odin. O carisma presunçoso e irônico do personagem continua sendo um dos principais motivos para não tirar o olho da tela, e isso é completamente devido à atuação do experiente britânico.
Ricky Whittle continua fazendo um bom trabalho como Shadow Moon, embora o personagem ainda pareça passivo demais para um protagonista. A dupla Emily Browning e Pablo Schreiber também continua se destacando, especialmente o segundo, que é o fio condutor do episódio justificadamente apontado como o melhor pelo público, o 7. Os demais coadjuvantes, no geral, também passam bem longe de decepcionar, embora alguns de seus personagens estejam bastante apagados e não cumpram qualquer papel relevante. O núcleo dos Novos Deuses, curiosamente, é um desses casos, vítima dos já mencionados problema de escrita. Embora também possuam bons momentos, esses vilões ainda têm um bom caminho a percorrer para que possam se provar tão atrativos quanto os “heróis” - embora tal denominação seja extremamente indevida para se referir a personagens tão cinzas.
Para finalizar, como que deixando o melhor para o final, é preciso destacar a maior atração de Deuses Americanos: a parte técnica. Fazendo jus completamente às peculiaridades acima mencionadas, a série se entrega visualmente ao conceitualismo utilizando-se de uma estética extremamente chamativa, muitas vezes surreal e principalmente psicodélica. A fotografia adaptativa sucede em gerar incontáveis momentos de uma perfeição visual que literalmente enche a tela e que, somada a uma direção de arte também impecável, cria uma experiência bastante singular.
Qualquer um que tenha especial afeição pelo aspecto visual se encontrará desejando poder assistir à série - e, é necessário dizer, principalmente ao episódio 5 - em uma tela de cinema. O mencionado episódio é, em termos técnicos e estéticos, de uma qualidade simplesmente indescritível. Excepcional em um nível que torna necessário deixar formalidades de lado e utilizar a primeira pessoa para dizer que não lembro de já ter visto algo que me impressionou de forma semelhante na televisão. Para que haja justiça, no entanto, é preciso reconhecer que, no mesmo episódio, assim como em outros momentos, a série claramente se prende ao esplendor visual como forma de compensar pelo lento andamento da história.
Portanto, apesar de suas falhas e, principalmente, lentidão no avançar da história e confusão no caminho da narrativa, a segunda temporada de Deuses Americanos ainda mantém louváveis características que tornam a série única, além de importantes subtextos e uma parte técnica impecável, possibilitando um bom aproveitamento de suas oito horas.
Qualquer um que tenha especial afeição pelo aspecto visual se encontrará desejando poder assistir à série - e, é necessário dizer, principalmente ao episódio 5 - em uma tela de cinema. O mencionado episódio é, em termos técnicos e estéticos, de uma qualidade simplesmente indescritível. Excepcional em um nível que torna necessário deixar formalidades de lado e utilizar a primeira pessoa para dizer que não lembro de já ter visto algo que me impressionou de forma semelhante na televisão. Para que haja justiça, no entanto, é preciso reconhecer que, no mesmo episódio, assim como em outros momentos, a série claramente se prende ao esplendor visual como forma de compensar pelo lento andamento da história.
Portanto, apesar de suas falhas e, principalmente, lentidão no avançar da história e confusão no caminho da narrativa, a segunda temporada de Deuses Americanos ainda mantém louváveis características que tornam a série única, além de importantes subtextos e uma parte técnica impecável, possibilitando um bom aproveitamento de suas oito horas.
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