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Precisamos nos desculpar com as crianças

  • Foto do escritor: Habeas Data
    Habeas Data
  • 19 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura



O caso da menina de dez anos vítima de abuso sexual que engravidou do abusador está longe de ser novidade.


No Brasil, três crianças e adolescentes são abusados a cada hora. Dentre as crianças, 51% tem 1 a 5 anos. Em 48% dos casos, esses abusos ocorrem em casa. Negros e mulheres são maioria entre as vítimas. Tanto entre adolescentes quanto crianças, as vítimas negras lideram (55,5% e 45,5%, respectivamente).


Crianças e adolescentes do sexo feminino também são maioria entre as vítimas de violência sexual. Representam 74,2% dentre as crianças e um número ainda maior dentre as adolescentes: 92,4%. (Dados do Ministério da Saúde)



O art. 4º do Estatuto da Criança e do adolescente, em seu caput, diz assim:  


Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.


Quando uma criança é abusada, alguém fez isso com ela. Mas para que alguém fizesse isso com ela, toda uma comunidade se calou. Toda uma sociedade que se dizia "pró vida" assistiu e nada disse. Alguns até não sabiam, mas principalmente porque não se interessavam. Quando uma criança é abusada, alguém fez isso com ela e todos nós, enquanto sociedade, ajudamos.


Devemos desculpas ás crianças.

Precisamos nos desculpar por tratar seus abusadores como doentes. Uma doença é uma fatalidade, algo que não se pode controlar. Tratar um pedófilo e um estuprador como um doente e se recusar a discutir o assunto é a resposta acomodada de adultos que se recusam a assumir sua responsabilidade como protetores das crianças. Eles não são doentes, são nossos colegas, amigos, familiares, estão entre nós. E fingimos não vê-los porque incomoda menos.


Precisamos nos desculpar com as crianças por fazê-las nascerem em famílias que não as querem ou não podem cuidar delas. E depois de fazê-las nascerem, larga-las a própria sorte. Somos uma sociedade que enche o peito para se dizer pró vida, mas vira a cara para crianças de rua. Pró vida de quem?


Precisamos, principalmente, nos desculpar por tratar esse assunto como tabu, e não dar as crianças o direito de se defender. É nossa culpa que as escolas não ensinem que o corpo é inviolável, que sexo é consentimento, que criança não pode consentir. Culpa nossa e do nosso moralismo tosco.


Precisamos nos desculpar com as crianças por todas as vezes que as vemos nas ruas e nos limitamos a sentir pena. Alguns nem isso. Por fazê-las viverem em um país onde se idolatra gente que divulga nome de uma criança vítima de estupro para que fundamentalistas religiosos a chamem de “assassina”. Por ensinar a elas uma moral cristã, de igrejas que por vezes, esquecem de protegê-las. Ao longo de sua história acobertaram diversas vezes pedófilos e abusadores, mas ainda assim, se sentem no direito de estar profundamente ofendidas com um aborto, ocasionado por um estupro de menor.


Somos uma sociedade que não trata com decência as crianças e os adolescentes, e por isso devemos desculpas. Temos que arcar com as consequências de sermos os adultos, que infelizmente também foram crianças em uma sociedade completamente doente. Mas isso não pode ser desculpa para afastar nosso dever.


Enquanto crianças forem abusadas no nosso país, não somos pró vida. Somos pró abuso sexual infantil, pró estupro, pró barbárie.


Somos os adultos e somos responsáveis. Tomemos nossa posição nesse país que desrespeita crianças.


Texto por: Marcella Moreira

 
 
 

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