ENTRE O SILÊNCIO E O BANCO DOS RÉUS
- Habeas Data
- 7 de jun. de 2019
- 3 min de leitura
Esse não é um texto sobre o caso do Neymar. Não sei o que aconteceu no caso do Neymar. Não estava lá pra saber, não li o B.O, não tive acesso as provas e não recebi um martelo divino pra dizer quem é inocente ou culpado. Nem quase ninguém que eu vi opinando no famigerado Tribunal da Internet. Esse texto é sobre estupro, porque sobre isso, eu posso falar. E mesmo que o caso Neymar tenha sido disfarçado com memes patéticos, o verdadeiro problema ainda é sobre estupro. Um assunto que, por sinal, não tem graça nenhuma.
Queria começar falando de números, primeiro, porque sei que isso, todos aceitam. No Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. O tempo que você gasta dando uma olhadinha no instagram quando não aguenta mais a aula. Puff. Uma mulher foi estuprada.
Gostaria muito que esse número significasse que no Brasil, há um número enorme de maníacos que agarram mulheres na rua, com uma faca, em becos escuros, e que precisam ser enjaulados. Seria simples resolver o problema se fosse esse. Mas infelizmente não. Isso significa que mulheres são estupradas em todo tipo de lugar possível. Significa que algumas mulheres tomam café da manhã com seus estupradores. Dormem sobre o mesmo teto que eles. Os veem no trabalho. Fazem matérias com eles na faculdade. São casadas com eles. Acham que os amam. Podem mandar mensagem pra eles no dia seguinte.
E quando observamos a repercussão de um caso famoso, quanto o caso Neymar, é que a coisa se agrava. Quando uma mulher denuncia um caso de estupro, vai a delegacia e faz um B.O, a primeira coisa que acontece com ela é ser desmentida. Exposta. Desmoralizada. Até que se prove o contrário.
E veja, não é errado dar ao acusado o benefício da dúvida. Mas quando se trata de estupro, diferentemente de todos os outros crimes, tem sempre uma vitima sentada no banco dos réus. O Neymar, que ressalto, talvez seja inocente no crime de estupro, sabia disso e usou isso para se defender. E milhares de pessoas o inocentaram porque é fácil cair no jogo machista de que existe um comportamento específico de uma vítima de estupro, de que existe um tipo específico de estuprador e de que existe hora, lugar e condições pra isso acontecer.
As pessoas não conseguem vencer a cultura do estupro, porque isso tocaria pontos profundos da existência delas. Muitos homens se negam a entender o que é estupro de verdade, porque a partir dai, se veriam como estupradores. Muitas mulheres se negam a aceitar o que é estupro de verdade, porque a partir dai, se reconheceriam enquanto vítimas de estupro. É mais fácil ter na cabeça a visão de que estuprador é um maniaco com facão que persegue mulheres indefesas em becos escuros do que assumir sua posição na sociedade e enfrentar esse bizarro problema que existe.
O caso Neymar diz muito mais sobre a nossa sociedade do que sobre o que, de fato, aconteceu. A apaixonada defesa que estão fazendo de um homem cuja inocência não foi provada, não diz nada sobre o caráter dele, e sim sobre como as pessoas tratam as mulheres, ou acham que elas deveriam ser tratadas.
E o recado silencioso que fica é sempre o mesmo: Se foi estuprada, finja que não foi. Porque se você disser que sim, só vai ser mais e mais agredida. Se você disser que sim, pode se encontrar tendo que dar entrevistas na TV e tendo que explicar o saldo da sua conta bancária para que levem sua denúncia a sério. Ou o tamanho da sua roupa. Ou o porquê de você estar naquele local, naquele momento.
A sociedade prefere ver suas vítimas de estupro caladas do que ver seus homens repensando seus comportamentos. E para isso mudar, ainda vamos assistir muitas mulheres tendo que escolher entre o silêncio ou o banco de réus.
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