Artigo Jurídico de Acadêmicos da UFRJ debate a Covid-19 e o futuro das Concessões de Infraestrutura
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- 24 de mai. de 2020
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Atualizado: 24 de mai. de 2020

Beatriz Scamilla, Graduada pela UFRJ e pesquisadora pelo LETACI (Laboratório de Estudos Institucionais), e João Vítor Freire Escobar, Graduado pela UFRJ e pesquisador pelo CIRT (Configurações Institucionais das Relações de Trabalho), publicaram no Worldwide Tax Net, site que reúne 70 acadêmicos ao redor do mundo, artigo em que debateram o papel do Governo Federal na gestão dos Contratos de Concessão de infraestrutura de logística durante a Covid-19.
Leia a íntegra abaixo:
O GOVERNO FEDERAL E A GESTÃO CONTRATUAL DAS CONCESSÕES DOS SETORES DE TRANSPORTE DE LOGÍSTICA DURANTE A CRISE DO COVID-19
Beatriz Scamilla[1]
João Vitor Escobar[2]
A crise motivada pelo novo coronavírus faz com que a realidade se imponha de uma tal forma que não possa ser ignorada. No campo dos contratos de infraestrutura, estamos agora experimentando os efeitos de um problema que decorre do caráter sistêmico das acomodações que são próprias dos serviços de rede, que vem desafiando as modelagens tradicionais dos contratos e os seus limites de reestruturação. A questão que aqui se coloca é: como a infraestrutura se situa no contexto de crise e qual a avaliação das medidas do Governo Federal na utilização dos diferentes mecanismos de aplicação dos contratos firmados com as concessionárias e arrendatárias de serviços públicos de transporte de logística?
Substrato jurídico para que o enquadramento das teses jurídicas hoje levantadas vingue, como teoria da imprevisão, caso fortuito e força maior, há de sobra. Nesse sentido, no último dia 16 de abril, a Advocacia Geral da União (AGU) disponibilizou Parecer N.261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU a respeito dos efeitos jurídicos da pandemia causada pela disseminação do novo coronavírus sobre os contratos de concessão de infraestrutura de transporte. O parecer assegura que os concessionários de infraestrutura de transportes leiloados pelo Governo Federal, aí também compreendidos os arrendatários de instalações portuárias, têm direito a reequilíbrio econômico-financeiro no caso de perdas eventualmente comprovadas em decorrência da pandemia. Essa medida sinaliza uma resposta necessária e esperada pelos setores afetados em relação à discussão futura dos impactos, tendo em vista os estudos que já vem apontando quedas de faturamento e receita[3].
A situação momentânea dos serviços prestados pelas empresas privadas detentoras de concessões públicas federais também exige uma ampla discussão. Quais caminhos traçar durante uma crise imprevisível e sem precedentes para os atores que possuem o poder de decisão para atravessá-la? Como lidar com a queda abismal de demanda, com a gestação dos passivos regulatórios crescentes, com a necessidade estatal de caixa e por que não com o receio de colapso do sistema diante da crise econômica e estrutural? A situação demanda a criação de uma realidade negocial distinta para equacionamento do problema de quebra iminente dos projetos e empreendimentos.
Soluções criativas vêm sendo adotadas por outros entes estatais envolvendo um diálogo mais colaborativo entre os setores público e privado. No Estado de São Paulo, por exemplo, a concessionária do Estádio Pacaembu se prontificou a ceder o espaço para que pudesse ser implantado um hospital de campanha para pacientes de baixa complexidade diagnosticados com coronavírus, transferidos da rede municipal da saúde, o que foi rapidamente acatado pela Prefeitura de São Paulo, que resultou na criação da estrutura hospitalar temporária em tempo recorde. Essa medida foi positiva por conferir destinação diferenciada a uma eventual ociosidade decorrente da queda da demanda no contrato de concessão, colocando em evidência uma pergunta importante neste momento, qual seja, como a infraestrutura pode ser utilizada como um dos pilares para contornar a crise.
Um aceno importante havia sido dado pelo Ministro da Casa Civil, General Walter Braga Netto, em coletiva de imprensa realizada no Palácio do Planalto no dia 22 de abril. Em sua fala, o Ministro colocou o setor de infraestrutura de forma central na retomada do crescimento a partir da geração de empregos via investimento público. Em sentido contrário, surgem informações de que o Ministério da Economia não estaria afeito às diretrizes propostas pelo plano, que possui uma previsão de envolver um montante na ordem de 215 bilhões de reais. A preocupação com a Emenda Constitucional do chamado Teto de Gastos levaria o investimento ao patamar de 6 bilhões de reais, traduzindo-se em um investimento bem mais tímido.
Até o momento, o governo tem se alinhado com as possíveis soluções de reestruturação dos contratos vigentes que possuam baixa intervenção do orçamento público. Prova disso foi a determinação do adiamento do pagamento das outorgas devidas pelos concessionários de aeroportos até dezembro e a liberação, prevista para o mesmo mês, da conta-reserva nas quais são acumulados depósitos mensais para pagamento posterior das outorgas anuais.
Com relação aos arrendamentos portuários, a ANTAQ, em recente pronunciamento, reconheceu a grande probabilidade de os prestadores de serviço não conseguirem alcançar o desempenho integral de seus contratos devido à pandemia. Medidas como as suspensões da obrigatoriedade contratual de atingimento de movimentação mínima e da realização de investimentos por arrendatários serão encaminhadas ao Poder Concedente com entendimento de que devem ser implementadas visando a continuidade da operação dos serviços pelos agentes do setor. Enquanto isso, a previsão de que os titulares de contratos de arrendamentos públicos deverão arcar com a indenização compensatória devida aos Trabalhadores Portuários Avulsos que tenham a necessidade de afastamento de suas atividades em virtude da Covid-19 tem gerado incertezas quanto a travessia deste conturbado momento econômico.
As concessionárias de rodovias, por seu turno, vêm enfrentando pressões no legislativo para que ocorra a inexigibilidade de cobrança das tarifas dos seus pedágios. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, em comunicado aos parlamentares, mostrou preocupação pela acentuada queda de receita do setor e lembrou que o impacto sentido pelas suas associadas recairá também sobre 900 municípios do País que dependem de seus pagamentos relativos ao ISS. O presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, Venilton Tadini, vem cobrando a necessidade de compensações às detentoras de contratos de concessão rodoviária para amenizar os impactos nas receitas das empresas, medidas essas que ainda não foram apresentadas pelo Governo Federal passados mais de um mês desde o começo da crise sanitária. Mesmo com toda a pressão exercida, a ANTT segue sem incluir as concessionárias na possibilidade de arrefecimento de suas obrigações enquanto perdurar a situação emergencial existente.
A resolução do problema de quem, como e quando vai pagar a conta pelos danos decorrentes do contexto atual envolvem desafios ainda incertos, colocando o gestor público em um ambiente de muita insegurança para assumir o compromisso. Soluções criativas podem ser grandes apostas para os contratos de concessão já em andamento, possibilitando o uso da infraestrutura como uma estratégia imediata e conferindo destinação à eventual demanda ociosa dos contratos com atividades que possam ser supridas (inclusive como importante gerador de caixa para as concessionárias), que de outra sorte seriam contratadas por terceiros ou objeto de contratação emergencial.
A importância de mapear como o Governo Federal vem se posicionando estrategicamente no combate aos efeitos da pandemia em relação aos setores econômicos reside no fato de que, caso haja morosidade contínua na busca por soluções, os serviços públicos de transportes de logística estarão em iminente risco de colapso, fato que deve ser considerado na ordem de prioridades governamentais, até pela atual necessidade de escoamento da produção de insumos de subsistência básica realizado pelos diferentes modais. Do contrário, os serviços deixarão de ser prestados e a consequência é uma possível desestruturação sistêmica. É inevitável nesse momento o levantamento da questão filosófica acerca do papel do Estado, dada escolha de Sofia que se impõe no âmbito da alocação de recursos. Mesmo ainda em um momento incipiente da crise sanitária, os reflexos e impactos econômicos já estão sendo sentidos e provavelmente trarão ao Estado um papel de centralidade na retomada do crescimento, já que as empresas privadas passam por inúmeras dificuldades.
Bibliografia
1. Amora, Dimmi. ANTT segura pedido de postergação de obrigações de concessionárias de rodovias na emergência. Agência Infra, 2020. Dísponível em: < http://www.agenciainfra.com/blog/antt-segura-pedido-de-postergacao-de-obrigacoes-de-concessionarias-de-rodovias-na-emergencia/> Acesso em: 03.05.2020.
2. Anac adia por 7 meses pagamentos de R$ 179,2 milhões de aeroportos. O Globo. Rio de Janeiro. 28 de abril de 2020. Dísponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/anac-adia-por-7-meses-pagamentos-de-1792-milhoes-de-aeroportos-24399595> Acesso em: 02.05.2020.
3. Balthazar, Ricardo. Empresas pressionam governo a ampliar medidas de alívio na crise. Folha de São Paulo. São Paulo. 17 de abril de 2020. Dísponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/empresas-querem-que-medidas-provisorias-na-crise-virem-permanentes.shtml> Acesso em: 04.05.2020.
4. Comunicado aos parlamentares. ABCR, 2020. Dísponível em: < https://abcr.org.br/noticias/comunicado-aos-parlamentares> Acesso em: 04.05.2020.
5. Governo resgata papel do Estado na retomada e põe em xeque agenda liberal de Guedes. Folha de São Paulo. Brasília. 22 de abril de 2020. Dísponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/governo-resgata-papel-do-estado-na-retomada-e-poe-em-xeque-agenda-liberal-de-guedes.shtml> . Acesso em: 01.05.2020.
6. Governo congela programa de obras da ala militar para evitar crise com Guedes. Folha de São Paulo. Brasília. 28 de abril de 2020. Dísponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/governo-congela-programa-de-obras-da-ala-militar-para-evitar-crise-com-guedes.shtml> Acesso em: 01.05.2020.
7. Há clareza sobre aplicação dos reequilíbrios, diz secretário nacional. ABDIB, 2020. Dísponível em: <https://www.abdib.org.br/2020/04/23/ha-clareza-sobre-aplicacao-dos-reequilibrios-diz-secretario-nacional/> Acesso em: 02.05.2020.
8. Medida provisória regulamenta trabalho portuário avulso durante pandemia. Agência Câmara de Notícias, 2020. Dísponível em: < https://www.camara.leg.br/noticias/651421-medida-provisoria-regulamenta-trabalho-portuario-avulso-durante-pandemia/> Acesso em: 03.05.2020.
9. NOTA AOS REGULADOS E USUÁRIOS. ANTAQ, 2020. Dísponível em: < http://portal.antaq.gov.br/index.php/2020/04/28/nota-aos-regulados-e-usuarios/> Acesso em: 03.05.2020.
10. Painel Pesquisa de Impacto COVID-19. CNI, 2020. Dísponível em: < https://www.cnt.org.br/painel-impacto-covid19> Acesso em: 02.05.2020.
11. Transportadores de cargas pedem suspensão temporária de pedágio, diz presidente de entidade. Folha de São Paulo. Brasília. 24 de março de 2020. Dísponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/transportadores-de-cargas-pedem-suspensao-temporaria-de-pedagio-diz-presidente-de-entidade.shtml> . Acesso em: 03.05.2020.
[1] Graduada pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Co-fundadora da Destro Consultoria Jurídica. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Institucionais (LETACI). Assistente de Pesquisa do Projeto “Regulação em Números” da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio). [2] Graduado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Atua no setor Portuário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). [3] Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) sobre o Impacto da Covid-19, pelo menos 80% das empresas das modalidades apresentadas que utilizam os serviços das concessionárias de rodovias (cargas, serviço regular de passageiros e serviços de fretamento) acreditam que terão redução do seu faturamento nos meses de abril e junho. No caso do setor portuário, o número chega a 60% das empresas pesquisadas neste setor. Destas, mais de 65% acreditam em uma queda de faturamento maior que 20%. Já no caso do transporte aéreo de passageiros, as empresas aéreas estimam uma queda na receita de mais de 90% e, dentro desse universo, mais de 60% acreditam que a queda no faturamento ultrapassará a casa dos 80%.
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