top of page

COLUNA: A Criminalização da homofobia pleo STF e armadilha de apostar no direito penal

  • Foto do escritor: Habeas Data
    Habeas Data
  • 28 de mai. de 2019
  • 5 min de leitura
Por: Igor de Oliveira Gualberto

O dia 23 de maio de 2019 é marcado por mais um julgamento histórico no Supremo Tribunal Federal, na presente data a maioria dos membros da Suprema Corte firmou entendimento no sentido de criminalizar a homofobia por meio da ampliação do campo de incidência do crime de racismo previsto na lei 7.716/1989.

Longe de ser uma vitória ou marco positivo na história das lutas progressistas a decisão, que tem por objeto a ADO nº 26 e o mandado de injunção 4733, se enquadra em uma sequência de julgados da Corte que vêm contribuindo esporadicamente para uma expansão do poder punitivo estatal ao mesmo tempo em que flexibiliza uma série de direitos e garantias fundamentais do cidadão, sendo a permissão da execução da pena criminal após condenação em segunda instância ao arrepio da previsão expressa do artigo 5º, LVII da Constituição vigoroso exemplo dessa nova jurisprudência punitivista do STF.


Mais uma vez, como parece ter se tornado comum nesta república, vimos o poder judiciário legislando e agora com um componente que torna toda a questão mais problemática: o judiciário criou uma norma de natureza penal, o campo do direito tido como extrema ratio, capaz de privar uma pessoa de sua liberdade e autodeterminação.


Chamou também a atenção o fato de a criminalização da homofobia pelo judiciário ter contado com amplo apoio de diversos setores progressistas e de que esquerda por meio da campanha “criminaliza STF”, slogan que, em tempos de processo inquisitorial e estado de polícia, causa os mais profundos calafrios em qualquer penalista comprometido com a construção de um estado democrático e protetor de direitos. O posicionamento adotado por estes setores progressistas denota certa incompreensão sobre as bases do funcionamento do direito penal em um estado democrático bem como uma adesão ideológica e política ao direito penal como ferramenta hábil a promover a proteção dos direitos da população LGBT o que por consequência exprime a crença no discurso oficial da pena como instrumento de proteção de bens e valores jurídicos gerais da sociedade.


Em primeiro lugar, é de suma importância lembrar a conjuntura na qual estamos vivendo, no presente estágio de desenvolvimento do capitalismo financeiro presenciamos uma nova forma de relação entre o poder econômico e o poder político emanado do estado que se expressa pela nova maneira de promover golpes e rupturas institucionais. As rupturas democráticas que no passado eram promovidas por meio de golpes militares e movimentos armados deixavam explícito o caráter de exceção das novas ordens políticas instauradas, na contemporaneidade os golpes vêm sendo produzidos com protagonismo do sistema de justiça criminal e por meio de rupturas com aparência de legalidade fundadas em argumentações jurídicas sofisticadas mas altamente questionáveis.


O empoderamento do judiciário, poder não eleito pelo voto popular, se insere também neste processo maior de mudanças políticas no bojo do interesse do capital nacional e internacional e um dos instrumentos que notoriamente vem sendo utilizados pelas elites jurídicas que ocupam o Judiciário e o Ministério Público dentro das disputas políticas travadas em nosso país é a interpretação expansiva de leis penais. Foi o que vimos ocorrer na deposição de Dilma Rousseff, no processo político movido contra Lula e em diversos casos nos quais as instituições buscaram atender a um “clamor popular por punição”. Sabemos também que as movimentações do Sistema de Justiça foram essenciais para o realinhamento econômico e político do Brasil com o modelo neoliberal e com uma posição pró interesses dos EUA tendo exercido um papel importante na definição da disputa eleitoral de 2018.


Agora, ao pedir ao STF que legisle em matéria penal(violando os princípios da divisão dos poderes e da legalidade) estendendo a pena do crime de racismo às condutas de homofobia, uma grande parte da esquerda brasileira contribui com este processo de ampliação do estado punitivo e, por conseguinte, de redução e fragilização do estado de direito. A maioria dos ministros já se posicionou favoravelmente à criminalização, não porque sejam progressistas mas porque ao “criar um crime” com apoio de amplos setores sociais a cúpula da Justiça avoca para si um grande poder, o de dizer que conduta será ou não criminalizada.


O que hoje é comemorado por partidos de esquerda e pelo movimento LGBT como vitória pode ser a legitimação de uma poderosa arma que amanhã ou depois poderá se virar contra as forças populares, sobretudo no que tange à expansão de tipos penais para criminalizar ocupações rurais, urbanas e manifestações políticas, instrumentos essenciais de luta dos movimentos sociais. Isto não é algo que está distante de acontecer, sobretudo tendo em conta a atual conformação de forças políticas e o fato de haver projetos de lei no Congresso Nacional e ações no STF nesse sentido.


É necessário que, conforme ensinou Pashukanis, o direito seja enxergado dentro de uma sociedade concreta, como um sistema de controle social que tem suas bases assentadas sobre o solo das contradições da sociedade de classes e do modo de produção.


A partir de uma análise da história do direito desde as revoluções liberais do século XVIII verifica-se que o direito penal, longe de ser instrumento garantidor de direitos humanos, serviu e serve como ferramenta de reprodução das relações de poder capitalistas, tutelando os bens jurídicos de interesse da burguesia, sobretudo a propriedade privada e promovendo a repressão de quaisquer condutas que ameacem a continuidade do modo de produção. Desse modo, percebe-se que direito é elemento de caráter superestrutural que se levanta a partir da relação capital - trabalho assalariado estando intimamente associado ao interesse da classe dominante neste sistema econômico. Da mesma forma o poder judiciário, nas mãos do qual se está dando o poder de legislar, não é constituído de seres iluminados vindos das estrelas, mas de indivíduos reais, que são oriundos de uma determinada classe social e representam os interesses desta classe.


Diante do exposto, fica claro o risco presente na aposta feita por parte do movimento social brasileiro em acreditar no direito penal como ferramenta de proteção da população LGBT, não é possível construir um “direito penal progressista” simplesmente porque a forma jurídica decorre da forma mercadoria e as normas repressivas serão sempre informadas pelo interesse do capital e não dos movimentos sociais contestadores da ordem(como é o caso do movimento LGBT).


A situação toda ganha contornos ainda mais graves ao se tolerar a flexibilização de garantias civilizatórias básicas do estado de direito como o princípio da legalidade, frontalmente violado ao se permitir que a pena do crime de racismo seja aplicada a outras condutas que não se amoldam à descrição da norma incriminadora(além do prejuízo do esvaziamento dos conceitos de racismo e LGBTfobia pela argumentação do STF).


Como pessoas que pretendem construir uma outra sociedade é preciso que pensemos em outras formas de proteção das vidas LGBTs e de sua liberdade que não passem pelo caminho tentador de acreditar que todo problema se resolve com punição.

Enquanto estudiosos do direito progressistas devemos permanecer vigilantes e pensarmos bem antes de aplaudir uma expansão desenfreada da punição, a história mostra que o direito penal não é nosso amigo.

 
 
 

Comentários


bottom of page